FACULDADES
DE CAMPINAS – FACAMP
Breve
análise jusfilosófica do romance de Dostoiévski
Campinas
Breve
análise jusfilosófica do romance de Dostoiévski
Breve
análise jusfilosófica do romance de Dostoiévski
CRIME..., NIILISMO,
DEGENERESCÊNCIA METAFÍSICA... E CASTIGO:
Breve
análise jusfilosófica do romance de Dostoiévski
Campinas
2011
RAFAEL
ALVARENGA STELLA
CRIME..., NIILISMO,
DEGENERESCÊNCIA METAFÍSICA... E CASTIGO:
Breve
análise jusfilosófica do romance de Dostoiévski
Trabalho de
conclusão de curso de direito nas Faculdades de Campinas – FACAMP, na área de
filosofia do direito.
Campinas
2011
RAFAEL
ALVARENGA STELLA
CRIME..., NIILISMO,
DEGENERESCÊNCIA METAFÍSICA... E CASTIGO:
Breve
análise jusfilosófica do romance de Dostoiévski
Trabalho de
conclusão de curso de direito nas Faculdades de Campinas – FACAMP, na área de
filosofia do direito.
Orientador: Prof. Dr.
Silvio Rosa Filho
DATA DA APROVAÇÃO:
NOME DO EXAMINADOR:
TITULAÇÃO DO EXAMINADOR:
ASSINATURA DO EXAMINADOR:
Campinas
2011
Optima
est legum interpres consuetudo.
RESUMO
Esta pesquisa
procura estudar o romance dostoievskiano
Crime e castigo, o marco de sua inscrição na história do pensamento moderno
e o legado jurídico de sua criação artística, sobretudo no que concerne à
jusfilosofia. Trata-se de uma tentativa de fazer dialogar diferentes áreas da
ciência do direito, das propedêuticas às especializadas, para, então, por meio
do repertório conceitual tanto da metafísica quanto da criminologia, investigar
nexos pertinentes e críticos. A interdisciplinaridade permitirá — espera-se —
abrir possibilidades de intercâmbio e debate acadêmicos.
ABSTRACT
This research aims to study the
Dostoevskian novel Crime and punishment,
the mark of your enrollment in the history of modern thought and the legal legacy
of its artistic creation, especially with regard to the jusphilosophy. This is
an attempt to make dialogue different areas of law science, from propaedeutics till
specializeds, then, through the conceptual repertoire of the metaphysics as criminology,
investigate connections relevants and critics. The interdisciplinarity —
hopefully — will open opportunities for academic exchange and debate.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO “CISMÁTICA”..............................................................................6
2 SINOPSE DO ENREDO............................................................................................7
3 DESENVOLVIMENTO ENSAÍSTICO.................................................................14
3.1 Polifonia e Cubismo Romanesco....................................................................14
3.2 Contraponto Nietzschiano..............................................................................16
3.3 Excurso Narrativo...........................................................................................18
3.4 Da Criminologia à
Metafísica.........................................................................21
3.5 Gêneros-tipo.....................................................................................................26
3.6 Impasse
niilístico..............................................................................................28
3.7 Idiossincrasias russas......................................................................................31
3.8 Tateação
conceitual.........................................................................................33
3.9 Religião e “revoluções”...................................................................................35
4 APONTAMENTO CRÍTICO E
CONCLUSIVO..................................................39
5 REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS...................................................................42
5.1 Bibliografia de referência...............................................................................44
5.2 Periódicos.........................................................................................................44
6
ANEXO......................................................................................................................46
|
1[2]
INTRODUÇÃO “CISMÁTICA”
Se, por um lado, a modernidade
promove a individualidade e os direitos a ela correspondentes — de que, sob a
égide do “Estado de Direito”, ainda somos herdeiros e tributários — e se, por
sua vez, a esses direitos correspondem certas ideias, por outro lado, a moderna
sobrecarga dessas mesmas ideias sintomatiza a divisão do indivíduo que as ousa e
as usa. Franqueando tal oximoro, a figura de Raskólnikov fantasmagorizaria
então mais outro: a contrafação de um vazio que passa a avultar e espectrificar
os lindes da metafísica.
A começar pelo nome, derivado do
histórico cisma (raskol) religioso russo, a personagem literária — no fundo,
expediência de reunião de fragmentados registros discursivos — permite fazer do
fenômeno do niilismo um exercício de leitura que se propõe capaz de colher
algumas ambivalências entre a dinâmica sociocultural e o direito.
Metodologicamente, na iminência e na contensão de revelações artísticas,
importa partir do romance e dele encalçar as representações que, conquanto
“degenerescentes”, envidam os modernos.
2 SINOPSE DO ENREDO
Crime
e castigo é, assim, um texto que, de repente, nos cose a um turbilhão. Para
não nos perder na trama de sua “narrativa labiríntica”[3],
cumpre então acompanhar a linha que lhe urde. Alinhavando-a, de início
enredamos uns 15 dias em que se enovela.
Num verão petersburguês dos idos de
1860, Raskólnikov deixa o cubículo subalugado e caminha a passos lentos ao
apartamento de Aliena Ivánovna. São setecentos e trinta passos; são inúmeras
perturbações. Esmagado pela pobreza, o jovem ex-estudante empenha junto à velha
usurária um relógio herdado do pai e, dali, com algum dinheiro, vai matar a
sede numa taberna (1ª, I). Lá está Marmieládov, ex-funcionário público, bêbado;
lá está a miséria, a desonra: a filha mais velha dele, Sónietchka, havia caído
na prostituição para prover o sustento de toda a família, do pai que se
desgraçou, da madrasta Catierina que, tendo sido espancada pelo vizinho Liebeziátnikov,
caíra de cama não tanto pelas pancadas quanto por sentimento, e de suas três
inocentes crianças, Pólienka, Lênia e Kólia. Raskólnikov acompanha o infeliz à
casa deles e lhes deixa seu trocado. Afinal, que tenham chorado por Sônia, que
tenham logo se habituado, ela ainda precisaria de cremes (1ª, II) (1º dia).
No outro dia, acordado por Nastácia,
criada de sua senhoria, recebe uma carta de sua mãe Pulkhéria, de uma
província, onde lê que sua irmã Dúnia fora escandalosamente ofendida pelo casal
Svidrigáilov, para o qual trabalhava como governanta, e que estava para se
casar com Piotr Pietróvitch Lújin, um senhor positivo, já de certa idade e
certo capital, e que todos estão para ir a São Petersburgo (1ª, III). Decidido
a impedir o matrimônio, sai a perambular (1ª, IV), ocorrendo-lhe saber, por
acaso, que aquela mesma velha Aliena contra quem vinha planejando um atentado
estaria sozinha-sozinha em seu apartamento no dia seguinte, às sete horas (1ª,
V) (2º dia).
No dia fatal, “resolvida” moralmente
a questão (1ª, VI), assassina a velha e também sua irmã, Lisavieta, após o que
consegue fugir até sua casa (1ª, VII), onde, em meio a febre e calafrios,
esconde os objetos roubados, dorme (3º dia) e acorda recebendo uma intimação.
Dirige-se à delegacia, onde se encontra com o escriturário Zamiótov, o oficial
tenente Pórokh e o oficial inspetor Fomitch, e, após discutir aos gritos com o
segundo, inteira-se do caso: tratava-se de uma carta de crédito protestada pela
senhoria, tão somente um protesto, ainda que, antes de sair dali, desmaie bem
no momento em que ouve falarem sobre o caso da velha. Inculca então que estão
suspeitando e que vão revistar seu quarto (2ª, I). Chega a ele e nota que não
há nada nem ninguém, apanha os objetos escondidos e sai com a intenção de se
desfazer deles, enterrando-os debaixo de uma pedra num pátio rodeado de muros,
um lugar ermo.
Dali, passa pela casa do ex-colega e
amigo Razumíkhin e caminha por horas até voltar a seu quarto, onde, após
delirar (4º dia), perde a memória (2ª, II) e cai doente por dias (5º, 6º, 7º,
8º dias...). No período de delírio e semiconsciência, passa na companhia do
mesmo amigo e recebe a visita do médico Zóssimov, daquele escriturário Zamiotóv
e de um representante de uma prestadora de serviços que tem para lhe entregar
35 rublos remetidos pela mãe. Voltando a si, recebe a quantia e, num primeiro
momento, também o médico (2ª, III).
No quarto, Raskólnikov ouve Zóssimov
e Razumíkhin entabularem uma conversa e chegarem a uma causa comum: a inocência
de um dos pintores então implicados com o assassinato da velha usurária. Então
se abre a porta e entra uma pessoa estranha (2ª, IV): Lújin se apresenta, diz a
Raskólnikov que está aguardando a chegada de Pulkhéria e Dúnia, que já
arranjara apartamento para elas e que ele próprio se instalara ali por perto,
com um amigo, o mesmo Liebeziátnikov, a propósito de cuja juventude faz
observações que, se a princípio já geram polêmica, logo em seguida, ao tornarem
a tratar do caso do assassinato — e Porfiri, o juiz de instrução, já estava
inquirindo os fregueses de penhor —, irritam Raskólnikov ao ponto de ele mandar
Lújin para o inferno.
Logrando ficar só (2ª, V),
Raskólnikov lança-se às andanças e, deparando o Palácio de Cristal, pede
jornais antigos ao criado, à procura da “notícia” do assassinato. Achega-se Zamiótov,
cujas ideias Raskólnikov logo irá inverter sobre um certo ponto — e cuja
opinião irá estabelecer em definitivo: aquele oficial tenente era um pateta!
À saída, desvencilha-se de Razumíkhin,
que ainda lhe convida a uma comemoração, e toma a direção da delegacia.
Confessaria e terminaria com tudo... Mas, passando pelo prédio da velha, não
resiste e puxa a sineta tal qual fizera outras vezes. Atirado de volta à rua,
nela distingue uma multidão e, a ela tendo se dirigido, convicto de que tudo já
iria terminar (2ª, VI), reconhece Marmieládov, caído atropelado por uma
carruagem. Leva-o à casa dele e, lá, no meio da miséria, de maltrapilhos, do
desespero, aparece Sônia, vinda da rua, nos trajes próprios da profissão, e,
humilhada, mortificada, emperequetada (sic) e envergonhada, abraça o pai até ele
morrer. Raskólnikov é tomado por um novo ânimo e, após passar pelo apartamento
de Razumíkhin, vai em sua companhia à própria casa, onde lhe esperavam a mãe e
a irmã (2ª, VII), esta a quem dá um ultimato: ou ele Raskólnikov, ou Lújin.
Razumíkhin ainda consegue tranquilizá-las levando-lhes o médico (3ª, I) (9º dia).
No dia seguinte, Pulkhéria e Dúnia,
tendo recebido de Lújin um bilhete, pelo qual propunha um encontro com elas,
compartilham-no com Razumíkhin e com ele vão ao quarto de Raskólnikov (3ª, II).
Lá lhe dizem que ele terá a oportunidade de se convencer do apreço de Lújin
ainda no mesmo dia, ficando decidido que irá ao encontro por ele marcado (3ª, III).
Sônia aparece, vinda da parte da viúva Catierina, que pedia a Raskólnikov que
participasse das cerimônias fúnebres do marido, e dá a ele seu endereço antes
de se despedir e ser seguida por aquele mesmo Svidrigáilov, que descobre ser
seu vizinho. Junto a Razumíkhin, Raskólnikov então vai à casa de Porfiri (3ª,
IV), onde, a propósito das discussões ocorridas na comemoração da noite
anterior, vêm se deter sobre um artigo que Raskólnikov escrevera ao deixar a
universidade, mais precisamente no ponto em que trata das “pessoas
extraordinárias”, para as quais não haveria obstáculos. Raskólnikov fica de
procurá-lo.
Depois, saindo à rua (3ª, V), vão ao
encontro da mãe e da irmã de Raskólnikov, mas ele decide ir ao seu quarto, onde
se precipita a procurar algum possível vestígio. Nada encontrando, sai e, logo
no portão, encontra o zelador lhe indicando a um homem desconhecido que o
chamará de assassino. Isso o faz voltar ao quarto, onde entra num estado de
exaltação febril, cai no sono e sonha. Ao acordar, um homem totalmente
desconhecido estava à sua porta: é Svidrigáilov (3ª, VI). Ouve dele um pedido:
queria sua mediação para poder advertir Dúnia a respeito de Lújin e oferecer a
ela a mesma quantia que do noivo receberia de dote, dez mil rublos (4ª, I).
Segue-se então a reunião e dela
Lújin é enxotado (4ª, II). Raskólnikov transmite a proposta de Svidrigáilov e
decide subitamente sair, deixando a Razumíkhin certa suspeita (4ª, III)... Ele
vai direto ao prédio do canal onde morava Sônia e, durante a visita, lhe pergunta
pelo futuro da família, pondo em questão a crença que a moça tinha na proteção
divina. Caminhando de um lado para outro do quarto, ao notar sobre a cômoda o Novo Testamento, antigo presente de Lisavieta,
pede para que lhe leia a passagem da ressurreição de Lázaro. Em seguida, propõe
seguirem juntos, ambos malditos, ambos tendo ultrapassado os limites, ambos
tendo arruinado a vida — no caso dela, a própria —, a fim de assumirem o
sofrimento. Tendo Raskólnikov prenunciado que voltaria e diria quem matou Lisavieta,
revela-se que Svidrigáilov esteve escondido escutando tudo (4ª, IV) (10º dia).
Na manhã seguinte, Raskólnikov vai à
repartição de Porfiri, que lhe transmite certa suspeita em que o ex-estudante
recaía. Num incidente estranho (4ª, V), Nicolai, um dos pintores acusados pelo
assassinato das irmãs, adentra a sala e se põe ajoelhado a “confessar” que
cometera o pecado, que as assassinara. O juiz e o agora suspeito ainda ficam de
se encontrar numa próxima vez e Raskólnikov vai diretamente para casa,
refletir... até sair e dar de cara com o homem que na véspera o chamara de
assassino e dele receber um alento: tudo, toda a acusação que lhe pesava,
passaria a ter dois gumes (4ª, VI).
As exéquias de Marmieládov estão
para começar e, dentre o convidados, figuram Raskólnikov e Lújin. Este, de um
apartamento vizinho, pedira a Liebeziátnikov para chamar Sônia e a ela
transmitira o desejo de ser útil à viúva Catierina, de organizar alguma
subscrição em seu favor, já lhe dando, por liberalidade, uma quantia de 10
rublos (5ª, I). Ocorrem enfim as exéquias e, após muita confusão, aparece Lújin
(5ª, II) acusando Sônia de furto. Liebeziátnikov desbaratará sua calúnia, mas
Sônia, não suportando mais o sentimento de desamparo e ultraje lhe oprimindo o
coração, corre para casa. Raskólnikov logo vai atrás (5ª, III) e, já no quarto
dela, questiona-a, supondo que deixassem para ela decidir: qual dos dois, Lújin
ou Catierina, deveria morrer? Enfim, retomado o assunto do dia anterior, Sônia
adivinha quem foi que matou Lisavieta — e abraça e beija Raskólnikov. Mas ele,
às questões do como, do porquê daquele ato, responde apenas que se atreveu
àquilo “para saquear”, não conseguindo dar as explicações que Sônia
aguardava... Diz que queria tornar-se um Napoleão e por isso matou. Apesar de
Sônia não o entender, está disposta a ouvi-lo. Quando ele então expõe a questão
com que vinha sofrendo e pergunta o que fazer, ela lhe diz para ir a um
cruzamento, inclinar-se, beijar primeiro a terra que profanou, e depois fazer
uma reverência a todo o mundo, em todas as direções que quiser, e dizer a
todos, em voz alta: “Eu matei”. No entanto, Raskólnikov não aceitaria assumir
esse sofrimento e se redimir — ainda ia lutar. Quando então Liebeziátnikov bate
à porta (5ª, IV), anunciando mais uma desgraça: Catierina Ivánovna morre,
ocasião em que Svidrigáilov
acerca-se de Raskólnikov, transmitindo-lhe que arcará com o sossego das
crianças e de Sônia, e, com piscadelas, repete a ele suas próprias expressões,
externadas outrora a ela, insinuando-lhe que ouvira a conversa deles (5ª, V) (11º
dia).
Por dois ou três dias Raskólnikov
fica a bater pernas pela cidade (12º, 13º ou 14º dias), à procura de algum novo
desafio. Razumíkhin então aparece em seu quarto, onde conversam brevemente
sobre sua loucura, sobre uma carta recebida por Dúnia e sobre o caso da velha.
O amigo pensa até que Rodka seja um conspirador político. Já este pensava numa
saída, era capaz de matar Svidrigáilov ou Porfiri... Até que, no vestíbulo de
seu quarto, dá de cara com esse juiz (6ª, I), que lhe expõe suas suspeitas,
afastando delas Nicolai. Porfiri ainda propõe que Raskólnikov se apresente e
reconheça a culpa; diz que ele não deveria temer a vergonha burguesa... Diz-lhe
ainda que, dentro de um diazinho e meio ou dois, iria prendê-lo, porque ele não
fugiria (6ª, II).
A seguir, Raskólnikov precipita-se
ao encontro de Svidrigáilov e o avista numa taberna (6ª, III), onde dele ouve
seus feitos de vida. Saindo (6ª, IV) e conseguindo despistar Raskólnikov que o
seguia, Svidrigáilov, tal como proposto previamente pela carta que enviara a Dúnia,
encontra-a na rua e a leva à sua própria casa, onde, discorrendo sobre o
segredo do irmão, propõe a salvação dele mediante até “violação”. Enfurecida,
ela saca de um revólver e atira, acertando-o somente de raspão, mas logo joga
fora essa arma e, dizendo-lhe que nunca o amará, consegue se desvencilhar dele.
Svidrigáilov então mete o revólver no bolso e sai (6ª, V), passando por
diferentes tabernas e cloacas. Depois, tendo voltado para casa, apanhado todo
seu dinheiro e ido direto ao quarto de Sônia, dizer-lhe que talvez vá para a
América e deixar-lhe títulos no valor de 3.000 rublos, dirige-se então a um
hotel, onde começa a ter febre e pesadelos. Aproximando-se das cinco horas, sai
à rua e caminha até o prédio dos bombeiros, onde, na presença de uma testemunha
oficial, redizendo que estava indo para a América, dá um tiro na própria cabeça
(14º ou 15º dia) (6ª, VI).
Raskólnikov, após conversar com a
mãe e com a irmã (6ª, VII), vai à casa de Sônia, apanha uma cruz e sai em
direção à delegacia, onde é recebido por Pórokh. Este inclusive lhe pergunta se
é um niilista, mas Raskólnikov responde negativamente. Enfim, o protagonista
confessa o crime (15º ou 16º dia) (6ª, VIII) e é degredado à Sibéria (Epílogo)...
3
DESENVOLVIMENTO ENSAÍSTICO
Crime
e Castigo, por tudo isso, é uma criação incomum — mas não só. Dostoiévski,
pois, com ela, lança-nos, os leitores, a um limbo, para, desse lance, resgatar
uma querela: entre Direito e Moral — quais as relações que nos envolvem, quais
os limites que nos concernem? Raskólnikov, se não deixa clara a respectiva
solução, talvez prenuncie o procedimento para obtê-la, arriscando sentenciar
sobre “aquilo”[4]
que, talvez “só encontra[ndo] forma nesse pronome impessoal que nomeia o que,
em nós, parece não querer se colocar sob a forma da pessoa”[5],
vem lhe suceder: “vai ver que é brincadeira mesmo”[6].
3.1
POLIFONIA E CUBISMO ROMANESCO
Obra, autor, personagem... Certo é
que este legado histórico-cultural consiste num jogo, mais que de palavras, um
jogo de vozes. Ainda mais que um “passatempo estético”[7],
trata-se, a rigor, de um pensamento artístico inovador e original, a que se
chama de polifônico. Nas palavras do linguista Mikhail Bakhtin, “A multiplicidade
de vozes e consciências independentes e imiscíveis e a autêntica polifonia de
vozes plenivalentes (sic) constituem,
de fato, a peculiaridade fundamental das obras de Dostoiévski”[8].
“Ao cair da tarde de um início de
julho, calor extremo”[9], a
fuliginosidade do ambiente onde então passeiam os pensamentos do estiolado
Raskólnikov vem se confundir ao lusco-fusco do perspectivismo da estrutura do
romance. Em nada obstando a falsificação em que consiste esse tipo de
fenomenalismo, vejamos.
Fiódor Mikháilovitch Dostoiévski,
ele mesmo ludomaníaco, não à toa criador também de Um jogador, discorre, no caso ora em apreço, sobre um tema
literário recorrente, que é o criminal, mas o faz de uma forma que se distingue
da verve de seus contemporâneos: à frente deles, “Turguiêniev”[10], por
exemplo, o interlocutor que consolidou o gênero romance na literatura russa,
caracteriza a prática de uma prosa lírica e mimética, a saber, uma prosa que, a
partir de um ponto de vista vertical, equinocial, anatomiza a linearidade da
natureza e sua ordem intelectual, a cada “elemento da paixão”[11]
correspondendo uma razão — ou uma falta de razão: “[Odíntsova] — Quer dizer
que, para o senhor, não existem diferenças entre homens tolos e inteligentes,
entre bons e maus? [Bazárov] — Existe: como entre saudáveis e doentes”[12].
Já Dostoiévski, por seu turno,
parece praticar um cubismo avant la lettre:
apresenta a realidade de múltiplos pontos de vista simultaneamente, trazendo-a
à sombra que se desvia da projeção de uns sobre outros, tal como sugere a
gravura de Evandro Carlos Jardim (que compõe a página 105 da 5ª edição da
Editora 34 e que inclusive lhe ilustra a capa):
.
Numa espécie de diálogo de limiares,
estabelece-se, por conseguinte, uma relação técnica entre forma e ideologia. Seja
no limiar espácio-temporal, seja no limiar de uma própria consciência, um
carnaval fantástico de vozes equipolentes se faz ressoar umas nas outras, de
modo que um único argumento pode passar a ser visto sob duas perspectivas
distintas, por vezes contrárias, e mesmo a idoneidade epistemológica de todo e
qualquer aspecto é posta em xeque.
3.2
CONTRAPONTO NIETZSCHIANO
Porém Dostoiévski, obviando[13] a
esparrela do dogmatismo, não encalça a verdade. Quiçá aprestando um mesmo topos, o da devoção e seus sentidos,
Friedrich Nietzsche, outro contemporâneo, num interlocutório interpolante que
historicamente mesmo não se realizou, tenderia a identificar esse desígnio pelo
qual não é tomado o romancista a uma “vontade de verdade” — que, não se
tratando mais de uma questão meramente de conhecimento, “não significa ‘Não quero deixar me enganar’, mas (...) ‘Não quero
enganar, nem sequer a mim mesmo’: — e com isto estamos no terreno da moral”[14].
Visto que “a vida é composta de
aparência (...), erro, embuste, simulação, cegamento, autocegamento”, prosseguiria
Nietzsche, por que não se querer enganar? Isso poderia ser “um quixotismo, um
ligeiro e exaltado desvario; mas poderia ser algo pior, isto é, um princípio
destruidor, inimigo da vida (...), poderia ser uma oculta vontade de morte”[15].
Tanto assim o é que, se o filósofo pergunta “Que
sabem vocês [modernos] de antemão sobre o caráter da existência, para poder
decidir se a vantagem maior está do lado de quem desconfia ou de quem confia incondicionalmente?”[16],
o romancista, “(...) se alguém o convencesse de que Cristo
era contrário à ‘verdade’, preferiria ficar com Cristo a ficar com ‘a verdade’
(o que supostamente significa a verdade da razão)”[17] — o que inclusive se
descortina com a criação de outros personagens, tal como Ivan Karamázov, quando
diz ao irmão:
E de que harmonia se pode falar se existe inferno:
quero perdoar e quero abraçar, não quero que sofram mais. E se os sofrimentos
das crianças vierem a contemplar aquela soma de sofrimentos que é necessária
para comprar a verdade, afirmo de antemão que toda a verdade não vale esse
preço[18].
Assim, o mesmo autor de Os demônios ora sinaliza, muito antes,
um perigo que se desvela com a “palavra
nova”[19]. Para
tanto, o meio em que esta será vocalizada há de se compor dos mais diferentes
registros em que se fragmenta o discurso moderno e, à guisa de arranjo de fundo
por sobre o qual se destacará, oportuno recorrer-se às passagens marcadas pela superação
do tempo no tempo: em certo sentido, passagens marcadas pela rapidez, por
desmedidos e absurdos, os mesmos que seriam “necessários demais na Terra [(...)
e sobre os quais] se funda o mundo, e neste talvez não acontecesse
absolutamente nada sem eles”[20].
3.3
EXCURSO NARRATIVO
Distante dos círculos da vida
privada, característicos do estilo a que o autor-criador contrapor-se-á, a
personagem-criatura, tão logo desperte deliriosa, vindo perambulando por ruas e
becos, para à frente de uma casa de tolerância: “Não será o caso de entrar? —
pensou. — Estão gargalhando! De bêbados. E daí, não será o caso de encher a cara?”[21].
Errante, Raskólnikov logo se sujeita
a toda sorte de acontecimentos inesperados, desde o encontro com Zamiótov no
palácio de Cristal, quando “Súbito alguém sentou-se ao lado, à sua mesa”[22],
até àquelas cenas que irrompem catastroficamente, tal como o atropelamento
daquele “bandido incorrigível”[23]
do Marmieládov, quando “Súbito o lampião iluminou com nitidez o rosto do
infeliz: ele [Raskólnikov] o reconheceu”[24];
ou ainda como o estertor de Catierina Marmieládova, quando
Kólia e Lênia, amedrontados até o último grau com a
multidão da rua e com os desatinos da mãe louca e vendo, finalmente, o soldado
que queria prendê-los e levá-los não se sabe para onde, num abrir e fechar
de olhos, como se tivessem combinado, agarraram-se um ao outro pelas mãos e
puseram-se a correr. Aos prantos e clamores a pobre Catierina Ivánovna
lançou-se atrás deles. Causava horror e tristeza vê-la correndo, chorosa,
ofegante. Sônia e Pólietchka lançaram-se atrás dela.
— Faz com que voltem, Sônia, faz com que voltem! Ô
crianças tolas, ô crianças ingratas!... Pólia! Tenta pegá-los... É para vocês
que eu...
Tropeçou
quando mais corria e caiu[25].
Os sonhos também concorrem a essa
ambientação. Lemos que o mesmo onírico “pobre menino [que] já está fora de
si...”[26], ao se
deter “ante algum pensamento”[27],
ante sua própria consciência, encara outrem:
(...) a velhusca, sentada, [que] está rindo —
desmanchando-se num riso baixo, silencioso, fazendo todos os esforços para que
ele não escute. Súbito ele tem a impressão de que a porta do dormitório
se entreabriu levemente e parece que lá de dentro também começaram a rir e
estão cochichando. Fica tomado de fúria: começa com toda a força a bater na
cabeça da velha, mas a cada golpe do machado o riso e o cochicho que vêm lá de
dentro se tornam cada vez mais fortes e mais se fazem ouvir, enquanto a
velhusca se sacode toda às gargalhadas. Ele se lança a correr, mas toda a
ante-sala já está cheia de gente, as portas que dão para a escada estão
escancaradas e no patamar, na escada e lá embaixo está abarrotado de gente,
cabeça com cabeça, e todos o olham — mas estão todos escondidos e aguardando, em silêncio... Ele
está com o coração opresso, as pernas imóveis, cravadas... Ele quer gritar e —
acorda[28].
Igualmente os solilóquios da
personagem guardam essa função de exorbitação, digamos, existencial:
Não, eu não vou aguentar, não vou aguentar! Vamos que,
e nem há nenhuma dúvida em todas essas conjecturas, vamos que tudo isso que foi
resolvido nesse mês esteja claro como o dia, seja justo como a aritmética. Meu
Deus! Ora, seja como for, não me atreverei. Porque não vou aguentar, não vou
aguentar!...[29].
Febricitante, Raskólnikov chega
então a se exaltar: “A velhusca foi um absurdo!... — pensava com ardor e ímpeto
— a velha vai ver que foi um erro, mas não é nela que está a questão! A velha
foi apenas uma doença... eu queria ultrapassar o limite o quanto antes...”[30].
Mas se “delírio”[31],
“melancolia”[32],
“pachorra”[33],
“indolência”[34],
“náusea”[35],
“histeria”[36],
“indiferença”[37],
“apatia”[38],
“vertigem”[39] e
tristeza[40] são
alguns dos sintomas que se abatem sobre o jovem ex-estudante, um diagnóstico de
seu tormento ainda não fica patente. Parece que, fraco, Raskólnikov necessita
de fé, talvez aquela “fé na ciência [e que] ainda repousa numa crença
metafísica”[41], já
que,
Não há dúvida, o homem veraz, no ousado e derradeiro
sentido que a fé na ciência pressupõe, afirma um outro mundo que não o da vida,
da natureza, da história; e, na medida em que afirma esse “outro mundo” — não
precisa então negar a sua contrapartida, este mundo, nosso mundo?...[42].
Decerto mesmo, nessa dinâmica, em
que o “de repente” não se presta tanto ao uso estilístico, mas mais ao
histórico-filosófico[43],
interessa notar que o autor, emprestando convicção àquele que está em posição
oposta à sua, revela um protagonista polifacético, um “homem multilateral”[44]:
Raskólnikov ora aparece, “é muito possível”[45],
como uma daquelas
(...) pessoas de pensamento novo, (...) aquelas com um
mínimo de capacidade para dizer ao menos alguma coisa nova, [que] nascem em um número inusitadamente baixo, até
estranhamente baixo (...) um indivíduo com autonomia (...) [um dos]
indivíduos geniais (...) [um dos] dos grandes gênios, os que dão
acabamento à humanidade...[46].
Ora Ródion Románovitch aparece como
aquele que
tomou a decisão, mas foi como se tivesse caído de uma
montanha ou despencado de um campanário, e chegou ao crime como se não tivesse
caminhado com as próprias pernas. Esqueceu-se de fechar a porta após entrar, e
matou, matou duas pessoas, apoiado na teoria. Matou, mas não conseguiu se
apoderar do dinheiro, e o que agarrou meteu debaixo de uma pedra. Achou pouca a
aflição que suportou sentado atrás da porta enquanto tentavam arrebentá-la e
puxavam o cordão da sineta —, não, depois foi ao apartamento, já vazio, meio
delirando, relembrar aquela sineta, sentiu a necessidade de voltar a
experimentar o frio na espinha... Bem, mas isso, suponhamos, aconteceu durante
a doença, no entanto veja mais uma coisa: matou, mas se considera um homem
honrado, despreza as pessoas, anda por aí como um anjo pálido[47].
Entretanto, Ródion Románovitch
Raskólnikov ora aparece como um “louco”[48]:
A doença do paciente, além da má situação material dos
últimos meses de vida, tinha ainda algumas causas éticas: “[Zóssimov] É,
por assim dizer, produto de muitas influências morais e materiais complexas,
inquietações, temores, preocupações, de certas ideias...” (...) alguma coisa
que acusava monomania[49].
3.4
DA CRIMINOLGIA À METAFÍSICA
Nesse ponto, visto que seja lá
Raskólnikov gênio, anjo ou louco, mister aqui nos valer dos criminólogos e, com
eles, perguntar se “o crime é uma loucura”[50]
ou não; se poderia um atentado contra o bem jurídico da vida humana ser
justificado por uma ideia que serve a fins altruístico-humanitários ou não.
Jogando com habilidosa ambivalência,
Dostoiévski questiona a pretensa utilidade de toda ciência, promovida à
independência da Filosofia e à autonomia[51],
e sobretudo a “crença incondicional, a convicção na qual repousa, de que a
verdade é mais importante que qualquer outra coisa, também que qualquer
convicção”[52], na
medida em que
não temos nenhum órgão para o conhecer, para a “verdade”: nós “sabemos” (ou cremos, ou
imaginamos) exatamente tanto quanto pode ser útil ao interesse da grege humana, da espécie: e mesmo o que aqui
se chama “utilidade” é, afinal, apenas uma crença, uma imaginação e, talvez,
precisamente a fatídica estupidez da qual um dia pereceremos[53].
Nessa medida, uma dúbia tensão vem
envolver Lújin, o conselheiro forense, e Raskólnikov, o ex-estudante de
Direito. Numa espécie de balancete moral sobre “o que há de novo (...), as
reformas, as ideias”[54],
Lújin advoga “que existe avanço ou, como dizem hoje, progresso,
ainda que seja em prol da ciência e da verdade econômica...”[55]
e, para defender sua posição, move a ética utilitarista contra um mandamento
universal fundamental: “Se a mim, por exemplo, disseram até hoje: ‘ama teu
próximo’, e eu amei, o que resultou daí?”[56].
Um parecer nietzschiano sustentaria
que “o ‘amor ao próximo’ é sempre algo secundário, em parte convencional e arbitrário-ilusório,
em relação ao temor ao próximo”; que
é “o temor (...) o pai da moral”; e que “a mentalidade modesta, equânime,
submissa, igualitária, a mediocridade dos
desejos [obtendo] fama e honra morais”, o tal “progresso” não seria senão “a
via e a vontade que conduzem (...) sempre [a]o mesmo imperativo”, extraído “de
entre mil dobras e recessos morais”, “o imperativo do temor do rebanho:
‘queremos que algum dia não haja nada
mais a temer!’”[57].
Assim o sendo, por um lado, para
Lújin, não se haveria de temer, por exemplo, ao frio, à carência de vestir-se, porque
daí
— continuou Piotr Pietróvitch, talvez com excesso de
precipitação. — Resultou que eu rasguei o cafetã ao meio, dividi-o com o
próximo e ambos ficamos pela metade nus, seguindo o provérbio russo: “Quando se
caçam muitas lebres ao mesmo tempo não se pega nenhuma”. Já a ciência
diz: ama acima de tudo a ti mesmo, porque tudo no mundo está fundado no
interesse pessoal. Se amas apenas a ti mesmo, realizas os teus negócios da
forma adequada e ficas com o cafetã inteiro. Já a verdade econômica
acrescenta que quanto mais negócios privados organizados houver numa sociedade
e, por assim dizer, cafetãs inteiros, tanto mais sólidos serão seus fundamentos
e tanto mais organizada será a causa comum. Logo, ao adquirir única e
exclusivamente para mim, precisamente dessa forma eu adquiro como que para
todos e levo a que o próximo receba um cafetã um tanto mais rasgado porém não
mais de favores privados isolados e sim como resultado do avanço geral.
A ideia é simples, mas infelizmente demorou demais a ser implementada, empanada
que estava pelo entusiasmo e pelo espírito contemplativo e, pareceria,
precisava-se de um pouco de engenho para adivinhar...[58].
Por outro lado, para Raskólnikov,
haveria de se temer à própria vida humana, porque, conhecedor da causa, “é só
dar consequências ao que o senhor [Lújin] acabou de propagar e se concluirá que
se pode dar cabo das pessoas...”[59].
Em suma: nesse contraditório, mexe-se
na pedra de toque do cristianismo, de modo que a “religião da compaixão”[60],
afastada então de seu Absoluto, cede, inexoravelmente, às ideias radicais sob
cuja influência se ousa o próprio crime. Se “passarão os séculos e a humanidade
proclamará através da sua sabedoria e da sua ciência que o crime não existe,
logo, também não existe pecado, existem apenas os famintos [aos quais, uma vez
alimentados, se poderia cobrar virtude]”[61],
então, para os “lacaios de pensamento”[62],
o crime “já não era uma loucura, mas justamente o bom senso, quase um dever —
quando nada um protesto nobre”[63].
Enfim, na lógica dessa peculiar “estética
do romance como filosofia radical”[64], haveria
uma chave poética abrindo para uma fissura na arquitetônica daquela razão que
tem de suprimir (ou “suprassumir” [aufheben])
o saber para dar lugar à fé[65]:
assim como a razão prática seria o “fecho de abóboda”[66] dessa
razão, os momentos jusfilosóficos seriam a elevação, a conservação e a negação
de Crime e castigo.
Destarte, com tal economia
conceitual, o extraordinário dessa criação datada de 1866 se revela no recurso
ao patológico. Imbuído na torrente cientificista[67]
do século XIX, o primeiro grande romance do autor que seria considerado um
“baluarte nosográfico”[68] trata
das patologias psicológica e sociológica com vistas a fins didáticos e, principalmente,
terapêutico-profiláticos, tendo em vista “Trata[r]-se de uma ideia muito
presente no final do século 19: a crença de que, na doença, fazemos o caminho
inverso ao processo de formação e desenvolvimento psicológico”[69]
e, nessa esteira, também sociológico.
Sob apelos já existencialistas, esses
fins vão prestar-se de guia filosófico do tempo em que se passará a investir
contra o que Heidegger chama de “pensamento representacional”[70],
um pensamento que apenas representa e calcula[71].
Se, desde Platão, essa história noética é um processo clínico, Dostoiévski,
“cantor do sofrimento”[72],
também se atribui a tarefa de médico da civilização.
Nesse diapasão, tal qual
“instrumento de pesquisa”[73],
cirúrgico, a arte aprofunda-se aqui no “substrato último ao conhecimento
pré-jurídico do conteúdo da norma”[74] e
do crime que vem a feri-la interrogam-se as causas: seria uma doença que o
geraria ou ele de certa forma sempre seria acompanhado por algo como uma
doença?[75]; “a
que se atribuir o desregramento (...) da parcela civilizada da nossa
sociedade?”[76] — tendo
em vista que “os mais refinados sanguinários foram todos cavalheiros
civilizados”[77].
As respostas, conquanto mais
próximas do Direito, não se circunscrevem à sua práxis tampouco à sua ciência,
vão além, transcendem-no. Verberando a paz perpétua, a história como progresso
moral infinito ou mesmo o reino de Deus na terra[78], Crime e castigo retrata da metafísica a
degenerescência[79].
Pois, assim como Lombroso[80]
teria emprestado da psiquiatria “a análise da degeneração dos loucos morais
(...) para construir seu pensamento e explicar a existência dos primeiros
delinquentes”[81],
de dentro do cadinho do “positivismo biológico”[82]
em que se funde até a “doutrina do crânio” ou, mais curiosamente, a
“frenovacuidade”[83], a
moral aqui aparece à la
Tchernichévski[84], quer
dizer, como produto da fisiologia[85]:
para se tratar dos sentidos do imoral e do delituoso convencionais, toma-se o
mesmo paradigma das ciências naturais e, através de experimentação
empírico-indutiva, ajustada ao modelo causal explicativo que o positivismo
propora como modelo de ciência[86],
chega-se o foco no agente enfermiço. Em seu espírito, então, avultará o vazio
por que se passa à suposição de que “pode ser que Deus absolutamente não
exista”[87] e
não haja, portanto, alternativa às decaídas e finitudes humanas, demasiado
humanas.
3.5
GÊNEROS-TIPO
A fim de mostrar o quão perturbador
seria esse não-lugar, o magnum opus[88]
de Dostoiévski se anuncia numa síntese de gêneros. Primeiramente, nota-se o
caráter épico da prosa, um relato amplo em cuja narrativa o Verbo[89]
se alça a um nível superior ao da linguagem ordinária, sacraliza-se; um relato
no qual uma personagem fortemente individualizada, um herói, se aventura
perigosa e episodicamente.
De igual modo, Crime e castigo procede a uma dramatização. Embora não seja escrita
para um palco ou para ser representada, a obra traz do drama diversas
características: a dinamicidade da ação, a conflituosidade das contradições, a
autonomia dos diálogos, a repentinidade do tempo, a predominância do momento
presente e a sincronia que estrutura as etapas do enredo, confrontadas e
contrapostas coexistente e interacionalmente (sic), e não numa série em formação[90].
Todas essas características
concorrem assim para que sobressaia um outro traço estético, para que se
acentue — o traço trágico. Mas se o destino preponderava nas tragédias
clássicas, é a economia agora que distribuirá o quinhão dos pathoi,
tanto que “o senhor Liebeziátnikov, em dia com as novas ideias, explicou há
pouco que a compaixão em nossa época está proibida até pela ciência e que já é
assim que se procede na Inglaterra, onde existe a economia política”[91].
Nada obstante, para um alívio de
tipo curativo, para um espelhamento, para uma vacina ou uma imunização, o autor
russo então promove a catarse dos estados afetivos do medo e, especialmente,
dessa mesma compaixão. Guardada a origem religiosa do rito a que corresponde, a
expiação dos males não mais se dá por uma catástrofe real, mas por um
sacrifício fictício.
Por um lado, nesse “romance-tragédia”[92]
há o ímpeto que move um criminoso filosófico[93] a
vencer as adversidades, a tentar o “assassinato do mundo real”[94],
a matar fosse o princípio da “felicidade geral”[95],
pois “tudo isso está ao alcance do homem e ele deixa isso tudo escapar só por medo...”[96]; o
que “Quer dizer então que tudo o mais são preconceitos, simples temores
estimulados, e que não existem obstáculos de nenhuma espécie, e que é assim que
deve ser!...”[97].
Por outro lado, há a misericórdia
com que uma “devassa”[98],
efetuando “o paradoxo inaudito de conservar uma alma pura numa vida de
prostituição”[99], ao
receber a confissão de um assassínio, opera a percepção e, nessa medida, a
suspeição de um si próprio num outro[100]:
“fale, fale! Eu vou entender, para mim
eu vou entender tudo! — suplicava ela”[101],
indicando, além do mais, que “A compaixão e a piedade são [mesmo] incapazes de
argumentação”[102].
Desse modo, para realizar tal
síntese, o romancista recorre a um outro artifício: a dúvida, a mesma por cujo
crisol passará sua própria Hosana[103].
Entretanto, desta feita, ao invés de se assegurar o corolário do ser divino que
se segue ao cogito cartesiano, são
lançadas incertezas sobre a imortalidade da alma e sobre a possibilidade e, num
paroxismo, a utilidade da virtude. Afinal, se não há culpados, não há justos[104];
se Deus não existe mesmo, a prescrição e a correspondente prática das kantianas
“máximas das vontades” não passaria de titeriteira pantomima de uma espécie de
gênio maligno das estepes.
Aqui, porém, tal diabo já seria relativamente
triunfante, posto que se trata de um crime horrível motivado pela evolução de
um pensamento lógico, aritmético: “Por uma vida – milhares de vidas salvas do
apodrecimento e da desagregação. Uma morte e cem vidas em troca”[105].
De tal modo, a brutalidade do derramamento de sangue pelo qual esse outro
demônio dostoievskiano seria responsável, porquanto “a velhota foi o diabo quem
matou, e não eu...”[106]
— “confessa” Raskólnikov à Sônia —, constitui-se numa indelével experiência do mal,
ainda que, no epílogo edificante, possa se indicar “o mistério da ressurreição
de um homem mortificado pelo pecado”[107],
enfim a regeneração do amor: “a história da renovação gradual de um homem, a
história do seu paulatino renascimento, da passagem progressiva de um mundo a
outro, do conhecimento de uma realidade nova, até então totalmente
desconhecida”[108].
Ademais,
não só numa abusão criminosa, Raskólnikov incorre numa provação: a angústia de
questionar a humanidade de sua condição. Conquanto sua “atitude intelectual” (Denkeweise) seja cética e o ceticismo possa ser “um outro sintoma da mesma
doença filosófica que impulsiona a busca por absolutos metafísicos”[109], a personagem pensa que busca uma
salvação moral já não mais radicada na metafísica, feito “um cego, com olhos
vendados, num quarto escuro, procurando um gato preto... que não está lá”[110]:
[Raskólnikov] – (...) Eu precisava saber de outra
coisa, outra coisa me impelia: naquela ocasião eu precisava saber, e saber o
quanto antes: eu sou um piolho, como todos, ou um homem? Eu posso ultrapassar
ou não! Eu ouso inclinar-me e tomar [o poder] ou não! Sou uma besta trêmula ou
tenho o direito de...
[Sônia] – Matar?[111].
3.6
IMPASSE NIILÍSTICO
Nesse sentido, entre o indivíduo e o
Estado, se virmos neste, de algum modo, “a consequência de fraturas sempre abertas
no processo de formação do Eu e de seus ideais”[112],
surge, face esse suposto direito de delinquir e delinquir in extremis, o emblema de Napoleão e se
deflagra o dilema do estado de exceção. Ora, pois para se instituir uma lei,
torná-la deontologicamente vinculante, os estados de direito não podem ser
senão “estados de exceção”, sendo que
uma ordem de direito concebida como geral e soberana,
não como meio na luta entre complexos de poder, mas como meio contra toda luta,
mais ou menos segundo o clichê comunista de [Eugen] Dühring [1833-1921] de que
toda vontade deve considerar toda outra vontade como igual, seria um princípio
hostil à vida, uma ordem destruidora e desagregadora do homem, um atentado ao
futuro do homem, um sinal de cansaço, um caminho sinuoso para o nada[113].
De tal modo, resta precária aquela
autoridade que, eficaciando uma ordem coercitiva, se faria necessária para se
classificar e condenar uma delinquência — mas que não fosse fundamentada numa
outra, anterior lógica e historicamente, ainda mais quando “[stárietz Zossima] — (...) na Terra não pode haver juiz de um criminoso
sem que antes esse mesmo juiz saiba que também é tão criminoso como aquele que
está à sua frente e, mais do que ninguém, talvez seja o culpado pelo crime que
tem diante de si”[114].
Concomitantemente, para além da
órbita estatal, a previsão de um “tu deves” que, já emanado de um deus,
satisfizesse a exigência de apoio e de suporte, dos quais um sujeito
necessitasse para crescer — então suprida, ainda que precariamente, por jurisdições
—, tampouco seria uma medida de força, suficiente para, no caso, se impor ante
eventual delinquência, segurá-la, detê-la, congelá-la; pelo contrário, a
necessidade de fé, subjacente a essa ordem divinal, só mostraria fraqueza e
adoecimento da vontade enquanto afeto de comando e “decisivo emblema da
soberania e da força”[115].
Logo, a essa precariedade de
autoridade e a esse “eclipse da razão e esse abatimento da vontade”[116]
corresponderá uma outra “vertigem: o niilismo”[117]. E desse fenômeno
ao fenômeno do homicídio e do tiranicídio tratar-se-á, na profecia de Dostoiévski, apenas de
decorrência de “progressão necessária”[118].
A esse propósito, disseminava-se o
credo rousseauniano da perfectibilidade humana, uma faculdade neutra que,
alçada a princípio moral, abria a perspectiva de uma finalidade positiva do
progresso. Mas tal faculdade, podendo ser o mal e o remédio, tornava-se mais
funesta que útil[119].
Pois se a abstração chega a possuir
o poder com a Revolução Francesa, Raskólnikov, apesar de responder que não é um
niilista[120], é
possuído por certo élan revolucionário
de lutar “por um ideal oposto à sua natureza”[121],
de não “reconhecer nada (nihil)
que não possa ser justificado pelo argumento racional”[122],
de superar a injustiça ontológica do “vir-a-ser”, porque o mundo seria aquilo
que não “deveria-ser”, uma negatividade que apareceria como doença de transmissor
abundante naquelas circunstâncias: a consciência da depreciação dos valores
supremos[123].
Afinal, “Deus está morto”[124],
como proclama o louco nietzschiano, e, com Sua morte, mais propriamente um
deicídio, consuma-se o colapso do domínio do supra-sensível e dos ideais dele
emergentes, num processo histórico em que o ente na totalidade (a metafísica)
perde o valor e o sentido. Gramatical[125]
e conseguintemente, o platonismo para o povo, aquele mesmo cristianismo, é
posto de ponta-cabeça, remontando-se, com efeito, à suspeita de que o exercício
do capital vem substituir a ascese dos sujeitos de mercado formalmente livres.
3.7
IDIOSSINCRASIAS RUSSAS
Do mundo para a pátria, não há como
negligenciar que o escritor publicista é deveras sensível ao clamor
revolucionário de sua época, quando o terrorismo que culmina com a morte de
Alexandre II englobou diversas tentativas, a primeira delas no mesmo ano em que Crime e castigo é publicado. Tanto é assim
que, para conter-lhe os ânimos e as animosidades, lança-se no movimento chamado
pótchvienitchestvo. O próprio nome já
indica, no vernáculo, a respectiva causa: “retornar ao solo”.
Se, por um lado, para Karl Marx, “A revolução social do século
XIX não pode tirar sua poesia do passado, e sim do futuro”[126] e, para
Raskólnikov, conforme sua teoria da divisão dos indivíduos entre ordinários e
extraordinários, “A primeira categoria é sempre de senhores do presente, a
segunda, de senhores do futuro”[127],
para Dostoiévski, por
outro lado, trata-se de propor a retomada e a valorização do
elemento nativo, tradicional, em oposição ao ocidentalismo, quer dizer, o
cientificismo de caráter positivista presente nas concepções radicais.
De se atentar para a autoctonicidade
desse movimento: se o positivismo vem a ser a “contrapartida da metafísica”[128],
não se segue necessariamente que a oposição àquele incorra nesta. Mais certo é
que o pótchvienitchestvo se orienta
pelo dilaceramento de uma Rússia partida entre o moderno e o tradicional,
marcada pela “simultânea ausência de um sólido passado greco-romano e (...)
presença de um dissonante cristianismo bizantino”[129],
e — mesmo ali onde o povo “‘não tinha sido corrompido pela herança
jurídica romana e pela visão individualista das relações de propriedade
associadas a ela’”[130]
— tem como tarefa crítica denunciar o atraso material, a opressão social e a
falta de liberdade.
Tal tendência consiste também numa
expressão de revolta, mas de raízes românticas, contra a perda de valores
humanos tradicionais ameaçados pelo processo de modernização. Nota-se-lhe, como
fundamento, o raskol (cisma) ortodoxo
— termo formador de Raskólnikov, um
cismático portanto, bem como um cindido, um contraditório, um anticristo; e nota-se-lhe,
como desdobramento, uma “tentativa de criar uma cultura russa autóctone”[131]
— quiçá uma “protoforma” ou mesmo a prognose do socialismo real da URSS.
A temática supra, no entanto, não será suscitada por panfletos, donde
Devido à dificuldade para expressar ideias
controversas diretamente na imprensa (...) a literatura russa serviu, mais ou
menos, como uma válvula de escape através da qual assuntos proibidos podiam ser
apresentados ou, pelo menos, sugeridos. Daí a notória densidade ideológica da
melhor literatura russa[132],
corroborando-se
o entendimento de que, “em culturas eminentemente artísticas, a filosofia está
mais vivamente expressa nas obras de arte do que nos livros dos filósofos”[133]
e de que “A verdadeira filosofia do espírito é filosofia estética”[134].
Disso decorre que “a expressão
literária, compreendida no arco que vai de Púchkin a Dostoiévski, cumpre o
papel que não foi conseguido pela política, pela economia e pela absorção de
ideias estrangeiras”, o de “fixação da nacionalidade”, “catalisação da voz
nacional”, consolidando-se num grande “reservatório moral”[135].
Mas, antirradical, o fundador e
editor “multimidiático”[136] Fiódor
não se restringe ao didatismo da propaganda política. Egresso da Sibéria,
“filho do século, um filho da incredulidade e da dúvida”[137],
Dostoiévski intenta unir a intelligentsia ao povo, a tradição religiosa
às novas ideias seculares, em suma, a razão à fé. Ataca, sobretudo, os “efeitos
desintegradores”[138]
de uma “mistura de utilitarismo inglês, de socialismo utópico francês, de ateísmo
feuerbachiano, e de um tosco materialismo e determinismo mecânicos”[139].
3.8
TATEAÇÃO CONCEITUAL
Dentre alguns aspectos essenciais
dessa salada russa conceitual, destaca-se, primeiramente quanto ao
Utilitarismo, a “tentativa de transformar a ética em ciência positiva da
conduta humana”, ou, em termos mais exatos, matemáticos, em “ciência da
estatística ética”[140],
mobilizando-se a atividade humana em função da “maior felicidade possível,
compartilhada pelo maior número possível de pessoas” e, reformativamente, em
atenção, até, “às dimensões (kantianas) da possibilidade de universalização dos
juízos morais”[141].
Quanto ao Socialismo utópico,
conquanto mais político que filosófico em suas formas histórias[142],
tem-se uma “ambição de construir uma nova ciência da natureza humana”, tanto
que, não estabelecendo “qualquer distinção entre a ciência física e a ciência
social”, Saint-Simon, Fourier e Owen, por exemplo, ambicionaram, com suas
teorias, “ser o Newton da esfera humano-social”[143].
Já no que diz respeito a uma forma
de Ateísmo que tem Feuerbach por protótipo, parte-se de um humanismo que
concebe Deus como projeção alienada do homem e se chega à consideração d’Esse
ente como “uma espécie de mentira de
sobrevivência excogitada pela humanidade (...) para dar sentido plausível
ao devir caótico do mundo”[144],
aliás, “a nossa mais longa mentira”[145].
Nesse ponto, para o Materialismo, os
problemas da filosofia não poderiam “ser remediados por uma terapia puramente
teórica”, o “pensamento hipostasiado e abstrato” não se sustentando ante o primado
do “homem-máquina”[146]
sobre o “homem-ideia”[147],
ainda que esses se confundam naquela “máquina heurística” cujo desenvolvimento
— via moral kantiana (“um passo decisivo na realização do projeto leibnizano (sic) de submeter tudo o que há ao
princípio ‘magno e nobilíssimo’ da razão suficiente”) — conduz, segundo
Heidegger, “à transformação do homem num produto do agir técnico”[148],
e, quem sabe?, aos homens-bomba.
Do contrário, incorrer-se-ia numa “tomada de posição, uma orientação
prática”, a que se seguisse “uma série de negações de grande parte das
pretensões da filosofia tradicional”, negações essas, no entanto, cujo
fundamento, a saber, “a garantia de que a explicação científica da filosofia
tradicional representa modos de consciência falsa ou inadequada ou IDEOLOGIA”, também
careceria de justificação[149].
Por fim, interligando-se a questão
da necessidade com a do livre-arbítrio, o Determinismo visa a uma regularidade:
seja com a imposição de limites ou a prescrição de resultados, o que precisaria
ser explicado é a determinação, e não a liberdade, de modo que Marx, atento à
noção de que, nas ciências sociais, diferentemente das naturais, “o
conhecimento ou a ação não são externos às necessidades descritas”, chega a
denunciar a transformação de seu “esboço histórico do capitalismo na Europa
Ocidental em uma teoria histórico-filosófica do caminho geral que todos os
povos estão destinados a trilhar, quaisquer que sejam as circunstâncias
em que se encontrem”[150].
3.9
RELIGIÃO E “REVOLUÇÕES”
Então, como prévio mister de tornar
notório o diagnóstico de intoxicação provocada por tantas doutrinas, o
experimentado crítico chama à atenção os raznochintsy.
A promoção da salvação que essa geração de intelectuais de origem não-nobre
arrogante e autoritariamente anunciava nos anos 1860 mostrava ainda haver
dissonância e desarmonia na pretendida golos
(voz).
À margem da “transição do idealismo
romântico para o socialismo utópico”[151],
a moda teórica era se opor à tradição da “velha Rússia”, especialmente ao seu
cristianismo, mas ainda assim guardar valores religiosos tradicionais, que
sustentavam “o desejo de redenção e renovação humanas em um futuro socialista”,
desejo que “veio transfigurar a expectativa transcendental cristã pelo paraíso
celeste em uma expectativa materialista pelo paraíso terreno”[152],
“que o ‘céu’ descesse sobre a ‘terra’”[153],
ou, nas próprias palavras de Raskólnikov, “— vive la guerre éternelle — até a Nova Jerusalém”[154].
Entrementes, consentâneo à
teratologia do Colosso[155],
na ligação entre esses dois mundos, “(...) um morto, /O outro incapaz de ter
nascido...”[156],
figura o sacrifício de Raskólnikov. E aqui a preposição “de” guarda, num
gradiente hermenêutico, uma duplicação, não se tratando tão somente daquele
sacrifício perpetrado por Raskólnikov contra a velhusca, a que corresponderia
um determinado tipo, penal que fosse, mas também de um outro sacrifício, já
contra o próprio Raskólnikov.
Dostoiévski, antipodal, ofereceria
essa sua personagem a um arquétipo, consagrando-o a título de desvio. Com isso,
na medida em que “teorias do desvio sempre trivializam a norma”[157],
funções errôneas tornando frequentemente claro o que escapa nas funções normais
— e a personagem se provará extraordinária, não se detendo ante a linha de
conduta considerada padrão —, poder-se-ia então referenciar o ethos da respectiva cultura em que se insere, situando-lhe, com
uma mediação linguística e, mais desdobradamente, criminológica, o eixo (axis[158])
e a direção moral, ou, quando menos, etiquetando (labelling) o seu “homem médio”[159],
sendo certo, no mais, que
(...) uma das coisas mais importantes que Wittgenstein
nos ensina é, justamente, que ‘as diferenças entre normalidade e anormalidade
não são filosoficamente tão instrutivas quanto sua unidade fundamental’[160][161];
e que, já ali,
se franqueava um “modelo de reflexão que desconstruía a estabilidade de nossas
figuras gerais de normalidade e de maturação psíquica”[162]
e — acrescente-se — social.
Tal exegese viria ainda ao encontro tanto
de um “giro freudiano”[163],
a partir do qual “Aquilo que procura ter peso normativo em nossas vidas [passa
a] pode[r] ser parte do problema, e não da solução”[164],
quanto da “revolução” por que passou a própria “ciência do controle social”, de
um “paradigma baseado na investigação das causas da criminalidade a um
paradigma baseado na investigação das condições da criminalização, que
se ocupa hoje em dia, fundamentalmente, da análise dos sistemas penais vigentes
(natureza, estrutura e funções)”[165],
“desfalaciando”, assim, a impostura de legitimar esse controle por meio de “um
percurso de pesquisa [procedido] para constatar a hipótese pela sua eficiência”[166].
“E de fato,...” mutatis mutandis, “...
ao trancar o outro numa casa de loucos você ainda não está provando sua própria
inteligência”[167].
Encaixando, alfim, “o dado russo na
maneira linear, tipicamente iluminista, de inserir a posição de cada
civilização na progressão generalizada do conhecimento universal”[168],
tem-se, portanto, que descrer do Deus do infinito e aliciar-se pelo poder da
ciência que devassa e escancha a existência em seus limites naturais,
racionais, leva ao arrogado direito de “revolucionar” a ordem estabelecida ante
a lei em geral e em
abstrato. Como que aferroado por uma “picada de reflexões
darwinianas”[169],
Raskólnikov chega a ouvir de uma conversa de botequim: “— Êh, meu irmão, a
natureza a gente corrige e direciona, porque senão teria de afundar em
superstições”[170].
Contudo, mais que se desviar, o
herói, no desenvolvimento de seu “orgulho satânico”[171],
afirma sua ipseidade sobre outros termos: ele confessadamente ousa experimentar
o poder de ultrapassar a lei das pessoas... e comete um duplo homicídio —
fá-lo, ademais, usando um machado, na época símbolo e arma da revolução que se
instauraria[172].
4
APONTAMENTO CRÍTICO E CONCLUSIVO
Sem nos perguntar, tal como El hacedor borgiesco[173],
se essa “realidade” de um crime seguido de um castigo é verdadeira ou falsa,
cabe-nos questionar, para além da legalidade, a legitimidade dessa ousadia cujo
infortúnio é então glorificado[174],
o “valor transcendente ao Direito positivo”[175],
que, no presente caso — e em cada caso —, a ela corresponde e concilia.
Entre pensar e querer, estamos aqui
é à sombra do próprio Iluminismo. Ainda que o protagonista se porte como um
sujeito esclarecido, que segue o imperativo prático do sapere aude
até o perigoso ponto de tomar sua própria cabeça por letra da lei[176],
ele não se desvencilha da arbitrariedade daquelas convicções utilitárias, cujo
conjunto, por sinal, Sônia toma por uma espécie de catecismo[177]:
“A febre se apoderara dele [Raskólnikov] completamente. Ele estava em um êxtase
um tanto estranho. (De fato, ele passara tempo demais sem conversar com
ninguém!) Sônia compreendeu que esse catecismo sombrio se tornara a fé e a
lei dele”[178].
Raskólnikov testemunha não só o
gênero romanesco obsolescendo, mas também a tolice sendo a norma que se faz
acompanhar da alteridade: os outros seriam tolos e deles não se poderia esperar
mudança. Para se ter razão entre as pessoas, ser delas senhor, bastaria ser
vigoroso e forte de inteligência e espírito.
Ressoando a tese trazida por Lújin,
de que “tudo no mundo está fundando no interesse pessoal”[179],
Raskólnikov então rompe os obstáculos valorativos do agir moral do seu meio e quebra
com o estado de direito instituído pelos imperativos hipotéticos oficiais: se o
crime, logo o castigo.
Raskólnikov — e quantos outros mais?
— Raskólnikov, enfim, desvelando a relação entre razão e força, age como um
déspota. Se já não há lei que o balize, tampouco lhe haverá Deus para lhe
regular o comportamento. Afinal, Este ainda assombrava a mente russa[180]
quando, noutras paragens, desde a Crítica
da Razão Pura Se tornara um vazio semântico[181],
não mais valendo de fundamento substancial da moral, reduzido à significação de
um postulado da razão prática, dado que,
Segundo a primeira Crítica, uma questão sobre um
objeto qualquer ‘não é nada’ (ist nichts),
isto é, não tem qualquer sentido cognitivo, a não ser que o objeto a que se
refere seja dado na experiência, ou seja, na sensibilidade cognitiva (KrV, B
506n)[182].
Se, de fato, há uma moral dos
senhores e uma moral de escravos e se a escravidão é um meio indispensável e, por
oportuno, útil também para a disciplina e o cultivo do espírito[183],
dados os “fusos históricos distintos”[184],
a nós[185] — talvez
“frutos tardios”[186]
do positivismo, talvez tardiamente periféricos, certamente cada vez mais
envolvidos na propalada “guerra justa”, segundo a qual “Afirmar que a força é
necessária em algumas ocasiões não é um chamado para o cinismo, é um
reconhecimento da história, das imperfeições do homem e dos limites da razão”[187]
—, talvez nos tenha chegado o tempo de executar uma tarefa, cuja irresolução
pode vir a nos punir, tal como puniu Raskólnikov, confinado aos extremos das
estruturas de Crime e castigo, livro,
e crime-e-castigo, dinâmica consequencial e procedimental de retrodeterminação.
Se “a ideia que não se realiza na
ação, que não é colocada à prova, para ele [Dostoiévski] não é ideia”, para
nós, que compartilharíamos dessa crença e também da sede dostoievskiana de
“renovação da pátria e da humanidade”[188],
caberia, já “do devaneio para a realização na realidade terrestre”[189],
conhecer e descrever o lugar em que as nossas ideias se encontram nessa
história (toda) “estoriada”, que, de determinada forma, promove a
“sensibilização da maneira de pensar e das motivações do homem para com os
preceitos da razão prática”[190].
“Isto poderia ser o tema de um outro...” trabalho “... — mas este está
concluído”[191].
5 REFERÊNCIAS BILIOGRÁFICAS
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6
ANEXO
O
“PROGRAMA SISTEMÁTICO”[192]
(Systemprogramm)
1797
[...] uma ética.
Como a metafísica inteira no futuro desemboca na moral (Kant com seus dois
postulados deu apenas um exemplo disso, não esgotou nada), essa ética não será
outra senão um sistema completo de todas as Ideias ou, o que é o mesmo, de
todos os postulados práticos. A primeira Ideia é naturalmente a representação
de mim mesmo como um ser absolutamente livre. Com o ser livre, consciente de
si, surge ao mesmo tempo um mundo inteiro — do nada —, a única verdadeira e
cogitável criação a partir do nada: Como tem de ser um mundo para um ser moral?
À nossa física vagarosa, que avança
laboriosamente com experimentos, eu haveria de dar asas outra vez. Assim, se a
filosofia fornece as Ideias e a experiência, os dados, podemos afinal adquirir
a física em grande escala que eu espero de épocas futuras. Não parece que a
física de agora possa satisfazer um espírito criador, como o nosso é ou deve
ser.
Da natureza passo à obra humana. Com
a Ideia de humanidade à frente, quero mostrar que não há nenhuma Ideia do
Estado, porque o Estado é algo mecânico, assim como não há Ideia de uma
máquina. Somente o que é objeto da liberdade se chama Ideia. Temos, pois, de
ultrapassar o Estado! — Pois todo o Estado tem de tratar homens livres como
engrenagens mecânicas; e isso ele não deve fazer: portanto, deve cessar. Vocês
vêem por vocês mesmos que aqui todas as Ideias de paz perpétua etc. são apenas
Ideias subordinadas a uma Ideia superior.
Ao mesmo tempo, quero aqui assentar
os princípios da humanidade e desnudar até à pele toda a miserável obra humana
de estado, constituição, legislação. Por fim vêm as Ideias de um mundo moral,
divindade, imortalidade — subversão de toda pseudofé, perseguição da classe
sacerdotal, que hoje em dia se dá ares de razão, pela própria Razão. — Absoluta
liberdade de todos os espíritos, que carregam em si o mundo intelectual e não
têm o direito de buscar nem Deus nem imortalidade fora de si.
Por último, a Ideia que unifica
tudo, a Ideia da beleza, tomada a palavra em seu sentido superior, platônico.
Pois estou convicto de que o ato supremo da Razão, aquele em que ela engloba
todas as Ideias, é um ato estético, e de que verdade e bondade só estão irmanadas
na beleza.
O filósofo tem de possuir tanta
força estética quanto o poeta. Os homens sem senso estético são nossos
filósofos da letra. [A verdadeira filosofia do espírito é filosofia estética.]
Não se pode ter espírito em nada, mesmo sobre a história não se pode raciocinar
com espírito — sem senso estético. Aqui deve ficar patente o que propriamente
falta aos homens que não entendem Ideias — e com bastante sinceridade confessam
que para eles tudo é obscuro, tão logo vá além de tabelas e registros.
A poesia adquire com isso uma
dignidade superior, torna-se outra vez no fim o que era no começo — mestra da
humanidade; pois não há mais filosofia, não há mais história, a arte poética
sobreviverá a todas as outras ciências e artes.
Ao mesmo tempo, ouvimos tantas vezes
dizerem que a grande massa precisa ter uma religião sensível. Não só a grande
massa, o filósofo também precisa dela. Monoteísmo da razão e do coração,
politeísmo da imaginação e da arte, é disso que precisamos. Falarei aqui pela
primeira vez de uma Ideia que, ao que sei, ainda não ocorreu a nenhum espírito
humano — temos de ter uma nova mitologia, mas essa mitologia tem de estar a
serviço das Ideias, tem de se tornar uma mitologia da Razão.
Enquanto não tornarmos as Ideias
mitológicas, isto é, estéticas, elas não terão nenhum interesse para o povo; e
vice-versa, enquanto a mitologia não for racional, o filósofo terá de
envergonhar-se dela. Assim, ilustrados e não-ilustrados precisarão, enfim,
estender-se as mãos, a mitologia terá de tornar-se filosófica e o povo
racional, e a filosofia terá de tornar-se mitológica, para tornar sensíveis os
filósofos. Então reinará eterna unidade entre nós. Nunca mais o olhar de
desprezo, nunca mais o cego tremor do povo diante de seus sábios e sacerdotes.
Só então esperar-nos-á uma igual cultura de todas as forças, em cada um assim
como em todos os indivíduos. Nenhuma força mais será reprimida. Então reinará
universal liberdade e igualdade dos espíritos! Será preciso que um espírito
superior, enviado dos céus, funde entre nós essa nova religião; ela será a
última obra; a obra máxima da humanidade.
[1] Cf. ECO,
U. Obra aberta. São Paulo: Editora
Perspectiva, 2000, p. 284.
[2] Das citações foram feitas as devidas correções
ortográficas, já nas conformidades do decreto nº
6.583, de 29 de setembro de 2008 (Acordo Ortográfico da Língua
Portuguesa).
[3]
DOSTOIÉVSKI, F. M. Crime e castigo.
Trad. Paulo Bezerra, 5. ed. São Paulo: Editora 34, 2001, contracapa.
[4] Ibidem, passim.
[5]
SAFATLE, V. O fantasma de Sigmund: Freud e a “suspeita de si”. Folha de S. Paulo. São Paulo, caderno Ilustríssima, 12/06/2011.
[6] DOSTOIÉVSKI, F. M. Op. cit., p. 20.
[7] Idem.
Os demônios. Trad. Paulo Bezerra, São Paulo: Editora 34, 2004, p. 395.
[8] BAKHTIN,
M. Problemas da poética de Dostoiévski.
Trad. Paulo Bezerra, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002, p. 4.
[9] DOSTOIÉVSKI, F. M. Op. cit., p. 19.
[10]
DOSTOIÉVSKI, F. M. Crime e castigo,
p. 69.
[11]
KIRPÓTIN, V. Ia. Dostoiévski. Trad.
Fátima Bianchi, São Paulo: Ateliê Editorial, 2008 (Caderno de Literatura e Cultura Russa nº 2), p. 368.
[12]
TURGUÊNIEV, I. Pais e filhos. Trad.
Rubens Figueiredo, São Paulo: Cosac & Naify, 2004, p. 132.
[13] Cf.
HEGEL, G. W. F. Fenomenologia do Espírito.
Trad. Orlando Vitorino, São Paulo: Nova Cultural, 2000 (Os pensadores), p. 332.
[14]
NIETZSCHE, F. A gaia ciência [344. Em que medida também nós ainda somos devotos].
Trad. Paulo César Souza, São Paulo: Companhia das letras, 2001, pp. 235 e s.
[15] Ibidem, p. 236.
[17] Cf.
FRANK, J. O senhor Dostoiévski. Folha de
S. Paulo, São Paulo, caderno +mais!,
13/01/2008. Entrevista concedida a Aurora
F. Bernardini.
[18]
DOSTOIÉVSKI, F. M. Os Irmãos Karamázov.
Trad. Paulo Bezerra, São Paulo: Editora 34, 2008, p. 340.
[19] Idem. Crime e castigo, p. 269.
[20] Idem. Os Irmãos Karamázov, p. 336.
[21] Idem. Crime e castigo, p. 171.
[23] Ibidem, p. 41.
[25] Ibidem, p. 441, g. n.
[26] Ibidem, p. 74, g. n.
[27] Ibidem, p. 283.
[28] Ibidem, p. 287.
[29] Ibidem, p. 75.
[30] Ibidem, p. 284.
[31] Ibidem, p. 139.
[32] Ibidem, p. 145, 183.
[33] Ibidem, p. 145.
[34] Loc. cit.
[35] Ibidem, p. 170.
[36] Ibidem, p. 179.
[37] Ibidem, p. 183.
[38] Loc. cit.
[39] Ibidem, p. 204.
[40] Loc. cit.: “(...) é que estou tão
triste, tão triste! Como uma mulher...”.
[41]
NIETZSCHE, F. Op. cit., p. 236.
[42] Loc. cit.
[43]
KIRPÓTIN, V. Ia. Op. cit., loc. cit.
[44] Ibidem, p. 376.
[45] DOSTOIÉVSKI, F. M. Op. cit., p. 274.
[48] Ibidem, pp. 175, 237, 305, 422 e 453.
[50] Cf.
DOSTOIÉVSKI, F. M. Os demônios, p.
409 (E. Littré, V. A. Záitzev e A. Quetelet [nota]).
[51]
Cf. HEIDEGGER, M. O fim da filosofia e a
tarefa do pensamento. Trad. Ernildo Stein, São Paulo: Nova Cultural, 2000 (Os pensadores), p. 96: “O
desenvolvimento das ciências é, ao mesmo tempo, sua independência da Filosofia
e a inauguração de sua autonomia”.
[52] NIETZSCHE, F. Op. cit., p. 235.
[53] Ibidem [354. Do “gênio da espécie”], p. 250.
[54]
DOSTOIÉVSKI, F. M. Crime e castigo,
p. 160.
[55] Ibidem, p. s.
[56] Ibidem, p. s., g. n.
[57]
Cf. NIETZSCHE, F. Além do bem e do mal:
prelúdio a uma filosofia do futuro [201]. Trad. Paulo César de Souza, São
Paulo: Companhia das letras, 2000, pp. 99 e ss.
[59] Ibidem, p. 165.
[60]
NIETZSCHE, F. Op. cit. [206], p. 109;
sobre “compaixão contra compaixão”, cf.
§ 225, p. 132.
[61]
DOSTOIÉVSKI, F. M. Os Irmãos Karamázov,
p. 351.
[62] Idem. Os demônios, p. 561.
[63] Ibidem, p. 409.
[64]
Cf. PONDÉ, L. F. Teologia do Niilismo: A
inteligência do Mal. São Paulo: Ateliê Editorial, 2008 (Caderno de Literatura e Cultura Russa nº 2),
p. 215.
[65]
Cf. KANT, I. Crítica da razão pura.
Trad. Valério Rohden e Udo Baldur Moosburger, São Paulo: Nova Cultura, 2000 (Os pensadores), p. 45 (B XXX).
[66] KANT,
I. Crítica da razão prática. Trad.
Valério Rohden, São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 4.
[67] Cf. SHECAIRA,
S. S. Criminologia. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 93.
[68]
GOMIDE, B. B. Da estepe à
caatinga: o romance russo no Brasil (1887-1936).
Campinas: UNICAMP, 2004, p. 263.
[69] SAFATLE, V. Op. cit.
[70] Cf. KAUFMANN, W. Existentialism from Dostoevsky to Sartre.
New York : Meridian , 1975, p. 39.
[71] Cf. HEIDEGGER, M. Op. cit., p. 97.
[72] STEPÂNIAN, K. Os Irmãos Karamázov: A Hosana de Dostoiévski. Trad. Noé Silva, São Paulo:
Ateliê Editorial, 2008 (Caderno de
Literatura e Cultura Russa nº 2), p. 180.
[73] ROCHA,
M. O tormento de Deus. Petrópolis: Vozes, 1970, p. 34.
[74] SHECAIRA,
S. S. Op. cit., p. 35.
[75]
DOSTOIÉVSKI, F. M. Crime e castigo, p. 85.
[76] Ibidem, p. 164.
[77] Idem. Memórias do Subsolo. Trad. Boris Schnaiderman, São Paulo: Editora
34, 2000, p. 36.
[78]
Cf. KANT, I. Ideia
de uma história universal do ponto de vista cosmopolita. Trad. Artur
Morão. São Paulo: Brasiliense, 1986, p. 14 (quarta proposição).
[79] Metarrepresentativamente, propõe-se considerar uma
unidade conceitual básica — no caso, não mais a espécie humana, mas a sua
metafísica — sobre a qual variações — no caso, não mais de influências climáticas
ou alimentares, mas ainda morais — viriam promover um “desvio doentio do
[seu] tipo primitivo ou normal”: então, enquanto esse tipo
correspondesse àquela metafísica, a esse desvio doentio corresponderia uma anamnese,
com que se o calcularia (cf. MOREL, B. A. Traité
des dégénérescences physiques, intellectuelles et morales de l'espèce humaine
et des causes qui produisent ces variétés maladives. Paris: Librarie de
L’Académie Impériale de Médicine, 1857, p. 15, g . n., disponível em <http://books.google.com.br/ebooks/reader?id=dD36WlUtypUC&printsec=frontcover&output=reader>,
acesso em 30/06/2011).
[80]
Cesare Lombroso (1835-1909), médico italiano, autor de O Homem Delinquente, cuja
primeira edição apareceu em 1876 e cujo postulado era de que existe uma
diferença biológica entre o delinquente e o não-delinquente (cf. CALHAU, L. B. Cesare Lombroso
e a Escola Positiva de Direito Penal. In: ,
acesso em 27/04/2011).
[81] SHECAIRA,
S. S. Op. cit., p. 96.
[82] Ibidem, p. 75.
[83]
Em alemão, como esclarece o professor e orientador Silvio Rosa Filho (q.v. AF – 98 N [no prelo]), o substantivo
que corresponde à frenologia (Schädelleere) permite jogar
com a ambivalência dos termos die Leere
(o vazio) e die Lehre (a doutrina), o que faz Hegel às pp. 222 e ss. da Fenomenologia do Espírito (Petrópolis:
Vozes, 2008).
[86]
Cf. SHECAIRA, S. S. Op. cit., p. 96.
[87]
DOSTOIÉVSKI, F. M. Crime e castigo,
p. 332.
[90] Cf. VÁSSINA,
E. A poética do drama na prosa de
Dostoiévski. São Paulo: Ateliê Editorial, 2008 (Caderno de Literatura e Cultura Russa nº 2), pp. 60-62.
[91] DOSTOIÉVSKI, F. M. Op. cit., p. 31.
[92]
KIRPÓTIN, V. Ia. Op. cit., p. 379.
[94] PONDÉ, L. F. Op. cit., p. 213.
[95] DOSTOIÉVSKI, F. M. Op. cit., p. 284.
[98] Ibidem, pp. 338 e 339.
[99] ROCHA,
M. Op. cit., p. 38.
[101] DOSTOIÉVSKI, F. M. Op. cit., p. 423,
g . n.
[102]
LAFER, C. Reflexos de uma vocação libertária. Estadão, São Paulo, caderno Sabático,
04/06/2011.
[103] Cf. STEPÂNIAN, K. Op. cit., p. 186.
[104]
Cf. DOSTOIÉVSKI, F. M. Os demônios,
p. 466.
[105]
DOSTOIÉVSKI, F. M. Crime e castigo,
p. 80.
[106] Ibidem, p. 428.
[107]
STEPÂNIAN, K. Op. cit., p. 184.
[108] DOSTOIÉVSKI, F. M. Op. cit., p. 561.
[109] MARTINS, H. Tradução
e ceticismo. In: Revista Cadernos de Tradução, vol. 2, nº 16, 2005, p.
56 e ss.
[110] VOLTAIRE
apud ROSA, J. G. Tutameia: terceiras estórias. Rio de Janeiro: José Olimpio,
1976, p. 7; cf. MARTINS, H. Op.
cit., p. 67: “Pois, como dizia Guimarães
Rosa sobre a história do cego e do gato preto, ‘o cego em tão pretas condições,
(sic) pode não achar o gato que pensa
que busca, mas topar resultado mais importante – para lá da tateada
concentração’ (1995: 522 [ROSA, J. Guimarães. Tutameia, Ficção completa, vol. II. Rio de Janeiro: Nova Aguilar,
1995, p. 522])”.
[111] DOSTOIÉVSKI,
F. M. Op. cit., pp. 427 e s.
[112]
SAFATLE, V. Op. cit.
[114] DOSTOIÉVSKI,
F. Os Irmãos Karamázov, p. 435.
[115] NIETZSCHE,
F. Gaia ciência [347. Os crentes e sua necessidade de crer],
p. 241.
[116]
DOSTOIÉVSKI, F. M. Crime e castigo,
p. 85.
[117]
ROCHA, M. Op. cit., p. 27.
[118]
STINER, G. Dostoiévski ou Tolstói. Um
Ensaio sobre o Velho Cristianismo. São Paulo: Editora Perspectiva, 2006, p.
107.
[119] DELON, M. Perfectibilité. In: TROUSSON, R.; EIGELDINGER, F. S (Orgs.). Dictionnaire de Jean-Jaques
Rousseau. Paris: Champion, 2001, pp. 712 e s.
[120] DOSTOIÉVSKI, F. M. Op. cit., p. 537.
[121] Cf.
FRANK, J. Entrevista citada.
[123]
Cf. NIETZSCHE, F. Op. cit. [354], p.
250: “A consciência crescente é um perigo; e quem vive entre os mais
conscientes europeus sabe até que é uma doença”.
[124] Ibidem [125. O homem louco], p.148.
[125] Cf.
ibidem [354], p. 250.
[126] MARX, K. O 18 Brumário de Luis
Bonaparte. In: <http://www.culturabrasil.pro.br/18brumario.htm>,
acesso em 27/04/2011.
[127] DOSTOIÉVSKI, F. Op. cit., p. 270.
[128] HEIDEGGER, M. Op. Cit., 2000, p. 104.
[129]
GOMIDE, B. B. Op. cit., p. 29.
[130]
FRANK, J. Pelo
prisma russo: ensaios sobre literatura e cultura. São Paulo: EDUSP, 1992,
p. 71, g .
n.
[133] Cf. GARCEZ, M. H. N. Luigi Pareyson, Leitor de Dostoiévski. São Paulo: Ateliê Editorial, 2008 (Caderno de Literatura e Cultura Russa nº 2), p. 189.
[134]
Cf. O “Programa Sistemático”, 1797 (anexo). A
esse respeito, cf. tb Um diálogo entre
Einstein e Freud: por que a guerra? Apresentação de Deisy de Freitas Lima
Ventura e Ricardo Antônio Silva Seitenfus. Santa Maria: FADISMA, 2005, p. 41,
disponível em <http://library.fes.de/pdf-files/bueros/brasilien/05620.pdf>,
acesso em 15/06/2011, onde se encontra a seguinte pergunta, formulada, em
setembro de 1932, por Freud e dirigida a Einstein, parte integrante da
correspondência reunida pelo Instituto Internacional de Cooperação Intelectual:
“Todas as ciências, porém, não chegam, afinal, a uma espécie de mitologia
(...)?”.
[135] GOMIDE,
B. B. A
“vasta poeira humana” e o “simum da desordem”: paralelos Brasil-Rússia nos anos
1920-1930. In: Revista Estudos Históricos, Rio de
Janeiro, vol. 1, nº 35, janeiro-junho de 2005, Brasil-Europa, CPDOC/FGV, pp.
124, 125 e 138.
[136]
Juntamente com o irmão Mikhail, Dostoiévski teria participado, v. g., de veículos tais como o Época/Tempo
(Vrémia), A palavra russa/O mundo
russo, O cidadão etc.
[137]
Cf. Dostoiévski, em carta enviada a Fonvízina, no início de 1854, apud ROCHA, M. Op. cit., p. 24; cf. tb. BIANCHI, F. O Caminho da Criação: Fiódor Mikháilovitch Dostoiévski (1821-1881). São Paulo, Ateliê Editorial, 2008 (Caderno de Literatura e Cultura Russa nº 2),
pp. 389 e s. (nota nº 6).
[138] Cf.
FRANK, J. Entrevista citada.
[140]
DOSTOIÉVSKI, F. M. Op. cit., p. 66
(nota).
[141]
Cf. ABBAGNANO, N.; FEDERICI, G. V. Utilitarismo. In: ABBAGNANO, N. Dicionário de filosofia. São Paulo:
Martins Fontes, 1998, pp. 1.172 e s.
[142]
Cf. ABBAGNANO, N. Socialismo. In: ABBAGNANO, N. Op. cit., p. 1.080.
[143] Cf.
FEHÉR, F. Socialismo utópico. In: BOTTMORE, T. Dicionário do Pensamento Marxista. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Editor, 1988, pp. 340 e s.
[144]
Cf. FEDERICI, G. V. Ateísmo. In: ABBAGNANO, N. Op. cit., pp. 98-101.
[145]
NIETZSCHE, F. Gaia ciência [344], p. 236.
[147]
PONDÉ, L. F. Op. cit., pp. 208-10.
[148]
LOPARIC, Z. O Fato da
Razão. Uma Interpretação Semântica. In: Analytica Revista de Filosofia, vol. 4, nº 1, 1999, pp. 14 e 29
(nota), respectivamente.
[149] Cf. BHASKAR, R.
Materialismo. In: BOTTOMORE, T. Op. cit.,
pp. 254-258.
[151]
ROCHA, M. Op. cit., p. 18.
[152] PEREIRA,
A. C. H. P. O Demônio Moderno. São
Paulo: Ateliê Editorial, 2008 (Caderno de
Literatura e Cultura Russa nº 2), pp. 155 e s., g. n.
[153]
ROSA FILHO, S. Eclipse da Moral: Kant,
Hegel e o nascimento do cinismo contemporâneo. São Paulo: Discurso
Editorial: Editora Barcarolla, 2009, p. 225.
[154]
DOSTOIÉVSKI, F. M. Op. cit., p. 270.
[155]
Cf. ROSA FILHO, S. Op. cit., pp. 19 e
ss. (introdução).
[156]
ARNOLD, M. Apud PEREIRA, A. C. H. P. Op. cit., p. 155 (epígrafe).
[158]
Cf. o Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM), que pauta a classificação de problemas
mentais e se divide em cinco eixos.
[159] Expressão
que, v. g., aparece em 568 ementas de
acórdãos no acervo de jurisprudência do portal do Tribunal de Justiça do Estado
de São Paulo e em 14.501 resultados de busca no acervo de jurisprudência online do site da Associação dos Advogados de São Paulo (consultas datadas de
13/06/2011).
[162] SAFATLE, V. Op. cit.
[165] Cf. ANDRADE, V. R. P. de. Do paradigma etiológico ao paradigma da
reação social: mudança e permanência de paradigmas criminológicos na ciência e
no senso comum. In: Revista Seqüência, nº 30, ano 16, junho de 1995, p. 28, g . n.
[166] Cf.
MEYER, C. O
legado freudiano no banco dos réus. Estadão,
São Paulo, caderno Sabático,
21/05/2011. Entrevista concedida a Andrei Netto.
[167] DOSTOIÉVSKI, F. M. “Bobók”. In: BEZERRA, P. Dostoiévski: “Bobók”: tradução e análise do conto. São Paulo: Editora 34, 2005, p. 17.
[170] DOSTOIÉVSKI, F. M. Op. cit., p. 80.
[172]
Cf. CHKLÓVSKI, V. Dostoievski. São
Paulo: Ateliê Editorial, 2008 (Caderno de
Literatura e Cultura Russa nº 2), pp. 362 e s.
[173] BORGES, J. L. El hacedor. In: Obras completas. São Paulo: Globo, 1998,
pp. 6 e s.: “Nos mercados populosos ou no sopé da montanha de cume incerto,
onde era bem possível haver sátiros, ouvira complicadas histórias, que recebeu
como recebia a realidade, sem perguntar se eram verdadeiras ou falsas”.
[175]
KELSEN, H. Teoria Pura do Direito.
São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 225.
[176] DOSTOIÉVSKI, F. M. Op. cit., p. 554.
[177]
Sobre o “Catecismo do Revolucionário”, cf.
DOSTOIÉVSKI, F. M. Os demônios,
p. 690 (posfácio).
[180] STINER, G. Op. cit., p. 31.
[182] Ibidem, p. 16.
[184]
ROSA FILHO, S. Op. cit., p. 226.
[185]
“(...) numa cultura bacharelesca, cartorial, empenhada primordialmente em disfarçar
delitos, treinada há séculos na sublime arte das indulgências e complacências, [onde]
o Bem e o Mal são definidos tão somente pelo Código Penal” (DINES, A. Além
do bem e do mal. Correio Popular.
Campinas, caderno Opinião, 11/06/2011,
g. n.).
[186]
Cf. NIETZSCHE, F. Gaia ciência [354].
[187] Cf. BBC BRASIL. Obama
recebe Nobel e defende “guerra justa” pela paz. Estadão, São Paulo, caderno Internacional,
10/12/2009.
[188]
Cf. KIRPÓTIN, V. Ia. Op. cit., pp. 377
e ss.
[189]
Cf. loc. cit.
[190]
ROSA FILHO, S. Op. cit., p. 227
(nota).
[191] DOSTOIÉVSKI, F. M. Op. cit., p. 561.
[192] Descoberto em 1907, este texto foi manuscrito
por Hegel; a atribuição de autoria, no entanto, é controversa e provavelmente
irrelevante: o próprio Hegel, ou Schelling, ou Hörderlin; ou mesmo, autoria
coletiva. A tradução é de Rubens Rodrigues Torres Filho.
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